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Papo dessa quinzena vamos falar um pouco sobre uma coisa que parece, simplesmente, não incomodar o quanto deveria: a retratação rasa e insípida que temos visto de pessoas gordas na TV.
Não é de hoje que, felizmente, as minorias ganham espaço nas mídias convencionais (principalmente televisão). Contudo, ainda parecem ter uma dificuldade em retratá-las, talvez porque geralmente tal representação vem de terceiros. Nunca somos nós que estamos na tela da TV, no meio desse povo, é sempre o outro. E é muito fácil ver o outro como uma caricatura.
Esses personagens caricatos acabam por perpetuar estereótipos e construir uma base comum utilizada por muitos escritores, que não se dão ao trabalho de tentar mudar. E, quando tentam, não parecem querer colocar muito esforço pra que aconteça da melhor maneira possível.
Um caso recente foi a personagem Perséfone de
Amor À Vida. Sabemos quantos assuntos de marketing social a novela quis trabalhar e falhou (enquanto foi bem sucedida em outros) e a moça, vivida por Fabiana Karla, foi um deles. Sempre era mostrada como uma pessoa legal, com quem todos os problemas (principalmente sexuais e de relacionamento) tiveram exclusivamente origem em seu peso. No final. o que era pra ser um personagem que daria a volta por cima na auto-estima, acabou sendo só mais um gordo cômico.
E dá ainda mais raiva quando um autor, que era a última pessoa que imaginaríamos que faria isso, cai numa dessas. Foi o que aconteceu quando Rebel Wilson recebeu sinal verde da ABC para uma sitcom. A premissa (cumprida pouquíssimas vezes) de
Super Fun Night: três amigas têm uma noite superdivertida uma vez por semana. Nem vamos nos ater ao roteiro superficial e nos desconfortáveis clichês da série. Vamos focar na decepção gigantesca de ver a interpretação de Wilson para Kimie e sua turma.
Não temos que nos culpar por nossas expectativas terem sido altas. Rebel tem em seu currículo uma ótima amostragem de seu humor inteligente. Suas personagens, assim como ela, sabem do corpo que têm e não se veem presas a um modelo físico por tantas almejado. Talvez o maior exemplo seja Fat Amy de
Pitch Perfect.
Mas, ok, talvez Wilson só tenha apostado numa forma (manjada) para mostrar a evolução da personagem. Talvez Rebel só quisesse deixar sua criação mais
low profile. Talvez isso tenha sido feito porque "a audiência não iria comprar uma mulher gorda bem resolvida com seu corpo". Talvez os executivos da ABC forçaram Wilson a mudar sua criação ou não iriam comprar a série. E talvez ela tenha cedido.
Não estamos reclamando de personagens losers. Amamos (barra somos, risos) os
underdogs e suas histórias de superação. O que chateia é a inconsistência nisso tudo. Em alguns episódios, Kimie (Wilson) mostra que ama seu corpo, em outros se entristece por ser como é. Essa dicotomia seria ótima e plausível, se fosse melhor trabalhada. Como foi, pareceu apenas falta de tato com a história, suas ramificações e consequências. E não é só escorregada técnica, tem coisa implícita nisso. Como as piadas repetitivas sobre o sobrepeso da protagonista. Afinal, há um limite de vezes que conseguimos ouvir as mesmas coisas.
Esperávamos, no mínimo, um forte "Não é problema nenhum ser gordo", porque, bem, não é problema nenhum ser gordo. Parece que, claro, as piadas sobre peso seriam feitas, mas podiam ser um pouco mais inteligentes. Ou é pedir demais? Não, não é pedir demais, porque já tivemos demonstrações dessa possibilidade de humor vindas não só da própria. Mas parecem querer se acomodar novamente.
Um exemplo claro dessas coisas que vêm se repetindo é o teaser trailer do novo filme de Melissa McCarthy. Nele, a graça está toda focada no fato de que Tammy (a personagem título interpretada por Melissa) não consegue pular uma bancada. Não negamos que nunca rimos de algo assim (Adele e Xtina em piadinhas de divas pop que o digam), mas é preocupante essa sensação de que essas pequenas piadas não querem ser, e pelo visto não serão, repensadas.
O assunto é tão amplo, que poderíamos desdobrá-lo em questões de saúde, auto-estima, comportamento norte-americano ou discutirmos os padrões de beleza vigentes na sociedade, mas não vamos. O problema é que todos parecem confortáveis com a ideia de ver pessoas gordas como objetos único e exclusivos do humor. "É engraçado porque ela é gorda". É sério que se resume somente a isso? Triste é notar gente como McCarthy e Wilson perpetuarem essa imagem simplista e, por vezes, degradante. Talvez seja pedir demais delas, pode parecer que as elevamos ao posto de lutadoras por nossa conta e risco. Então, ok, se não se incomodam de apenas fazer gordices, quem somos nós?
quedelicianegente.com